INDÍCIOS DE CRIME



Num conhecido processo o juiz Carlos Alexandre recorreu ao dito popular “quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem”, usando um raciocínio simples e lógico da sabedoria popular para fundamentar a sua decisão na existência de um forte indício de crime.
Nos ditos populares são muitos os que de uma forma simples mostram o que é óbvio. Outo dito muito frequente no debate em torno de decisões governamentais duvidosas, que ouvimos com grande frequência é o de que “não há almoços grátis”, assim se diz que ninguém faz um favor economicamente injustificável de ânimo leve ou por mero descuido.
Poderíamos enumerar muitos ditos populares e a primeira ideia que vem à cabeça de muitos portugueses quando ficam estupefactos perante negócios envolvendo lucros absurdos, negócios conduzidos por políticos eleitos cujo primeiro dever é a defesa dos interesses do Estado, é o de que “não há fumo sem fogo”.
É natural que um cidadão comum não conheças todos os milhares de normas fiscais, norteando o seu comportamento segundo a sua perceção do que é um comportamento pautado dentro da legalidade. É por isso que o direito romano introduziu o princípio do ““bonus pater familiae” . Este é um princípio básico do direito, vertido na nossa jurisprudência 'Quando hoje, feita a tradução dessa expressão, se diz, na jurisprudência, que alguém usou da «diligência própria dum bom chefe de família», quer-se dizer, em termos práticos, que não agiu com culpa ou, pelo menos, com culpa legalmente relevante.' (in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa).
Só que uma autarca não é um cidadão comum e não pode dizer que desconhecia a lei ou os contornos de um negócio. Um autarca conta com juristas, técnicos imobiliários, e assessores.
Um autarca não pode fazer negócios de milhões, ignorando regras e discutindo preços como se estivesse a. comprar um alguidar num souk, os mercados tradicionais do norte de África. Nem nos passa pela cabeça comprar prédios por oito milhões d euros num souk, com o vendedor a pedir 12 milhões por prédios que valem quatro e depois ficamos contentes e tranquilos porque depois do tradicional regateio fechamos o negócio por oito milhões.
Os números deste negócio são tão obscenos, para usar uma expressão do próprio autarca, que é impossível não reconhecermos nele fortes indícios de crime.
A este propósito sugerimos a leitura do artigo 377.º, do Código penal, publicado pelo DL n.º 48/95, de 15 de Março:
Artigo 377.º
Participação económica em negócio
1 - O funcionário que, com intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita, lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpre, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar, é punido com pena de prisão até 5 anos.
Para melhor interpretação sugerimos ainda a leitura do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora:
Ac. TRC de 28-05-2014 : I. O crime previsto no artigo 377.º do Código Penal consuma-se com a lesão dos interesses patrimoniais confiados ao funcionário - operada ao nível do próprio negócio jurídico, em função dos termos do seu conteúdo que são lesivos para os identificados interesses -, ainda que o agente não atinja o exaurimento do seu plano de obter a participação económica pretendida.
Cabia ao autarca defender os interesses patrimoniais do Estado e isso não parece ter sucedido neste negócio.
Todo este raciocínio assenta no pressuposto de que os prédios em causa estavam `venda no mercado imobiliários em condições normais, o que não é o caso. Estes prédios têm uma história jurídica e é muito duvidoso que pudessem ser negociados em condições normais de mercado. A sua construção envolvia relações contratuais que, em princípio, não tinham sido extintas.
Há muito pouco tempo o então candidato Álvaro Araújo fez-se acompanhar do jurista Cipriano, agora vice-presidente, informando os residentes de que tinha uma solução jurídica, solução que foi apresentada pelos vereadores do OS em sessão da Câmara Municipal.
Estes prédios têm uma história política e jurídica pelo que teremos de voltar atrás para avaliarmos a decisão de comprar estes prédios como se estivessem no mercado em condições de igualdade com os outros prédios que diariamente são vendidos.
O autarca reagiu na hora dizendo que ia avançar com uma auditoria arqueológica, mas tem razão no pressuposto de que para avaliar a dimensão da sua responsabilidade enquanto político e autarca, teremos de ir atrás. É o que faremos no próximo post, talvez isso ajude o Rui Setúbal a fazer mais uma das suas auditorias sem regras e sem princípios.
PS: Apelamos aos leitores que evitem acusações infundadas ou injúrias na caixa de comentários.