RADIOGRAFIA DE UMA ENTREVISTA DESASTRADA


 

Um político inteligente quando confrontado com um tema que sabe ser potencialmente incómodo recusa entrevistas ou fala o menos possível, limita-se a responder que o negócio foi feito nos termos das regras, que, neste caso, foi precisamente o que a ministra da tutela fez. Mas o senhor presidente tem-se a si próprio em grande consideração intelectual e achou que ia dar a volta a um jornalista experiente que, como diz o povo já deve ter o rabo pelado.
O resultado foi desastroso, vimos um senhor presidente titubeante, a gaguejar e a repetir sucessivamente as suas palavas. O seu fácies era de quem não estava nada à vontade, de que era surpreendido a cada pergunta, chegando ao ponto de ter achado uma boa ideia dizer que nada sabia de um negócio que foi ele que fez, esquecendo-se de que noutra entrevista se ter gabado de ter feito um grande negócio, graças à sua capacidade negocial.
Perante os números do negócio imobiliário que ele próprio conduziu, respondeu que a sua preocupação não esteve aí, mas sim no cumprimento dos procedimentos legais, Isto é, pouco importava o preço que que ia pagar como se tratasse de “dinheiro macaco”, não importa a dimensão dos custos nem se seriam absurdos, apenas queria que tudo estivesse legalmente certinho.
Enfim, em relação ao tempo do negócio da cobertura da escola fez um grande progresso, nesse caso mandou fazer a obra como se a escola fosse sua e meses depois fez um falso concurso para enganar os portugueses, com uma falsa adjudicação para uma obra já concluída. Enfim, um senhor presidente tão respeitador da lei que perante a pergunta de um jornalista durante uma conferência de imprensa onde apresentou uma auditoria muito duvidosa feita por um contabilista, que é quem manda no PS local e que anda a ganhar muito bom dinheiro na companhia de mais dois familiares na CM.
Só que a um responsável público a lei não exige apenas que um negócio destes se limite a cumprir os procedimentos exigidos na lei. A lei exige que os responsáveis do Estado defendam os interesses públicos e, neste caso, a primeira preocupação seria chegar a um preço justo tendo em consideração as características, a idade e a situação jurídica dos prédios urbanos. Sobre esta questão voltaremos num próximo post.
Sobre o valor dos negócios anteriores o senhor presidente admite que “será que tinha que saber? Às Tantas...” Nem tantas, nem meias tantas, era o mínimo que se exige de alguém que vai gastar 8 milhões de euros dos contribuintes, conhecer todos do negócio, informar-se sobre todos os condicionalismos jurídicos e mandar proceder a uma avaliação rigorosa, por uma entidade independente e competente, do valor atual dos prédios.
Da entrevista parece resultar que nem sequer foi feita uma avaliação do valor dos imóveis, nem pela câmara, em por qualquer entidade privada especializada no ramo. Mas, como se pode ver noutra intervenção do senhor presidente o negócio parece ter sido eito ao estilo do souk de Marraquexe, um dos vendedores pediu um preço superior ao outro, ele regateou e o vendedor colocou o preço ao nível do pedido pelo outro fundo e ele ficou contente, fez um excelente negócio, como se tivesse acabado de comprar um prato de latão no mercado de Marraquexe. Curiosamente, como um fundo pediu mais do que o outro, sem qualquer avaliação deu por justo o preço mais baixo. Enfim.... os vendedores de alfarrobas têm mais cuidado a fazer negócios, mesmo estando em causa a venda de meia dúzia de arrobas.
Perante tanta atrapalhação, o senhor presidente parece ter optado por improvisar e o mesmo que não se interessou em saber o valor pago pelos fundos teve o descaramento de mentir para uma televisão nacional, dizendo que “estas casas nunca deveriam ter saído do Município”.
A construção dos prédios resultou de uma iniciativa de uma cooperativa e a participação da CM consistiu na venda dos terrenos a essa cooperativa, com base na metodologia de cálculo resultante da lei em vigor.
Os prédios eram propriedade dessa cooperativa e quando a mesma ficou insolvente foram tomadas pela CGD, que tinha financiado o projeto com a aplicação de juros privados, financiados pelo Estado que os concedia a habitação que era colocada no mercado com limitações das rendas.
Esta mentira foi uma improvisação que nos traz à memória a ideia do questionário com mais de 30 que o primeiro-ministro teve, quando estava atrapalhado no debate parlamentar em que se discutia o caso da secretária de Estado da Agricultura. Foi uma fuga para a frente, para depois apresentar a ideia que lhe parece ter saído no momento, fazer uma auditoria ao processo que deu lugar à construção dos prédios.
Só que cadelas apressadas parem cães tortos, o senhor presidente, que parece ter pouca memória, não se lembrou que esse processo já foi auditado, melhor, já foi investigado por uma entidade que em matéria de auditorias é bem mais competente, independente e credível do que o senhor dr. Auditor Rui Setúbal. Na época foi público o arquivamento do inquérito aberto pelo Ministério Público. Porque não sugeriu inquérito equivalente ao negócio atual, para eliminar dúvidas?
Se o senhor presidente queria uma auditoria a sério não teria pedido isso a uma empresa privada escolhida por ele, que não nos surpreenderia que fosse a empresa de contabilidade do senhor dr. Auditor, que é tão competente que andou às voltas com grandes dívidas ao fisco. O jornalista ainda lhe perguntou se ia pedir a auditoria ao tribunal de Contas, mas não, respondeu um senhor presidente meio a gaguejar, que seria uma empresa privada. Achará que o Tribunal de Contas é menos competente ou rigorosos do que uma empresa privada?
Que bem que lhe teria ficado se anunciasse um pedido da auditoria à IGF, que é a entidade que tem competência para auditar os serviços do Estado. Ou mesmo ao tribunal de Contas, já que o negócio parece não ter tido o respetivo visto. Ou, o que seria uma cereja do topo de bolo, ao próprio Ministério Público que desde o princípio estará dentro do processo.
O problema é que a tal auditoria a fazer uma por uma empresa privada não inibirá nem ao IGF, nem o Tribunal de Contas e muito menos o Ministério Público de auditar ou investigar este negócio. Aliás, é bem provável que todas essas entidades, perante as notícias, se sintam impelidas ou obrigadas a auditar ou investigar este processo. De caminho até poderão fazer uma investigação mais abrangente e incluir o processo da cobertura da escola, onde há óbvios indícios de legalidade ou de, pelo menos, grave desrespeito da lei.
É óbvio que esta auditoria serve apenas para tentar atirar caca para a ventoinha e mesmo que tivesse sido qualquer irregularidade, daí não resultaria qualquer perdão para ilegalidades ou irregularidades que agora poderão ter sido cometidos. Qualquer um dos juristas da CM, mesmo algum que tenha tirado o curso numa escola de esquina lhe explicaria isso.
Conclusão
O senhor presidente não sabia, não se preocupou em saber e agora em vez de assumir as responsabilidades foge dizendo que vai fazer uma auditoria, mas em vez de pedir às autoridades competentes e isentas para a fazer, prefere pagar a uma empresa privada, muito provavelmente a uma qualquer baiuca de contabilistas desastrados.
Quem gagueja, quem inventa auditorias, quem parece estra a sua e quem diz que não sabe o que não parece interessar-lhe saber estará a falar verdade?