Parece que Vila Real de Santo António é está transformado no
reino da incompetência e da prepotência. Mas desta vez não vamos falar sobre o
comportamento do executivo autárquico, mas, antes, da empresa Águas de VRSA.
A fatura desta empresa refere-se a uma fatura onde se
pretende cobrar uma correção dos valores faturados durante um longo período de 639
dias. Isto é, durante mais de vinte meses, quase dois anos, a empresa não
procedeu à leitura do contador e agora, fizeram uma leitura e pretende proceder
a uma cobrança de mais de 1.300€, correspondente à diferença entre o montante
resultante da leitura feita agora e os montantes cobrados mensalmente.
Isto é, a empresa parece entender que pode passar anos sem
fazer qualquer leitura porque quando lhes apetecer ter esse trabalho/custo
cobram o que supostamente não se deram ao trabalho de o fazer. Entretanto, o consumidor
come e cala, dois anos depois não pode questionar o consumo, e mesmo que tal
diferença se deva a um erro do contador já não o pode provar.
A regras é a típica de empresas prepotentes, come a cala.
Só que o que a lei dispõe e o que os tribunais já decidiram não dão esse direito à empresa. Desde logo porque
há um prazo de prescrição de 6 meses, isto é, daquele montante o que exceda a
correção relativa aos últimos seis meses já prescreveu. A empresa não pode
decidir cobrar quando lhe apetece, cobrando montantes que correspondem a
consumos de quase dois anos.
A lei é clara quanto à prescrição: “O direito de exigir o
pagamento por serviço de fornecimento de água prescreve no prazo de seis meses,
após a sua prestação, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 10º da Lei nº
23/96, de 26 de Julho.”. Isto é, a empresa está abusando ao apresentar uma
fatura relativo a uma dívida que a lei determina que já prescreveu.
Resta saber se mesmo assim tem o direito de cobrar as
diferenças relativas aos últimos seis meses. Isso significa que a empresa faz a
leitura quando lhe apetece, para poupar nos custos, porque em qualquer altura
procede à cobrança da diferença. E o consumidor arruína as contas do mês e
quando a Águas de VRSA faz esta brincadeira só come sopa?
Não é este o entendimento do acórdão do Tribunal da Relação
de Lisboa num caso similar, envolvendo a EPAL (Lisboa) e um dos seus clientes.
No Acórdão 2134/2007-6 do Tribunal da Relação de Lisboa, que decidiu a favor do
cliente.
[http://www.dgsi.pt/Jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/1b393d071ac4393f802572d6004042e0?OpenDocument]
Mas vale a pena reproduzir alguns parágrafos, pode ser que
os senhores da Águas de VRSA estejam interessados em aprender alguma coisa:
«Por conseguinte, impende, em nosso entender, sobre o prestador de serviços o ónus de demonstrar o cumprimento de todas as obrigações decorrentes da celebração de um contrato de um bem essencial, designadamente, a obrigação de apurar os consumos reais de água gasta pelo utente e a obrigação de o informar do valor do consumo real por ele efectuado.
Sucede, porém, que a facturação dos valores de consumo de água, gás, electricidade cobrados pelos prestadores de serviços aos seus utentes decorre, na maioria dos casos e nos dias que correm, de um cálculo assente em meras estimativas de consumo.
Também, no caso dos autos, a facturação era, conforme acordado entre as partes, efectuada por estimativa, o que significa que o cliente procede sempre ao pagamento de uma mesma importância pré – determinada, mas está obrigado a pagar a diferença entre o valor estimado e o correspondente ao consumo efectivamente realizado (se este for superior àquele), após a leitura do contador ou a indicação, pelo próprio cliente, da leitura por si efectuada.
Não obstante se tenha tornado prática corrente a facturação baseada em meras estimativas de consumo, continua a impender sobre o prestador de serviços a obrigação de disponibilizar aos seus utentes uma facturação detalhada do consumo real efectuado e do preço devido por aquele mesmo consumo.
Donde, no caso concreto, cabia à apelante na qualidade de prestadora de serviços de bens essenciais, demonstrar que cumpriu todas as obrigações decorrentes do contrato de prestação de serviços celebrado com o apelado, entre as quais a obrigação de proceder à leitura do consumo efectivo de água na sua residência, cabendo ainda à apelante demonstrar, atentas as regras do ónus da prova e os mecanismos legais de protecção dos consumidores, que o não cumprimento de tal obrigação não resultou de culpa sua.
Acresce que “o legislador consagrou, no artigo 10º, o prazo
de apenas 6 meses para o prestador exigir o pagamento do preço relativo ao
fornecimento de água, sendo que o mesmo prazo vigora para o exercício do
direito ao recebimento, por parte do fornecedor, da eventual diferença de preço
resultante de deficiente facturação. Trata-se de uma opção do legislador que
visa proteger o utente de uma situação de acumulação de dívidas, bem como
evitar a inércia do fornecedor que poderia prolongar por tempo inadequado a
situação, afectando a segurança do consumidor (para além de que este prazo
curto facilita qualquer exigência de prova ao utente) António Costa, “O
Contrato de Fornecimento de Água”, in Estudos do Direito do Consumidor,
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, n.º 4, 329..»