O MEDO


O medo é um instrumento habitual de políticos sem escrúpulos que para se eximirem a críticas recorrem à intimidação e ao abuso do poder para silenciar as críticas, a esperança de que a única opinião que se pode manifestar seja daqueles que beneficiam das mordomias proporcionadas pelo poder.

Quando se  faz um rastreio das redes sociais para depois se pressionar quem ouse fazer críticas ou muito simplesmente colocar um like numa opinião crítica está a espalhar-se o medo. Posts que são eliminados depois de telefonemas, visitas noturnas à casa de quem meteu um simples like são estratégias que no passado foram atribuídas a quem estava no poder, parece serem hoje o pão do dia a dia.

Mas o recurso à intimidação está a atingir limites insuperáveis, com familiares a fazerem provocações junto às urnas de voto, a sentarem-se ao lado de populares que legitimamente pedem a palavra em reuniões da Assembleia Municipal ou, pior ainda, com ameaças explícitas a cidadãos que foram convidados a participar em reuniões que supostamente são de esclarecimento, está a atingir limites inaceitáveis em democracia.

Os comerciantes receiam falar porque têm uma porta aberta, os funcionários que se manifestam são chamados a dar explicações, os cidadãos que tentam informar-se na internet sobre os envolvimentos políticos e que trocam essa informação com amigos são ameaçados de processos judiciais.

Nunca em Vila Real de Santo António se viu tantas ameaças e intimidação, tanta gente a calar-se por medo, depois de décadas em que os autarcas serviram o concelho sem recurso à intimidação, começa a sentir-se o medo no ar. Nunca o Dr. Horta Correia, em plena ditadura, intimidou um cidadão ou um funcionário, nunca vimos isso suceder com as comissões administrativas no pós-25 de Abril, o Graça foi um democrata exemplar, o António Zé idem, ninguém teve medo do Eng. Murta. O medo é agora evidente.

Há mais medo agora do que durante a ditadura.


PS: quando o medo se transformou numa arma política sugerimos que se ouça a canção "Trova do Vento que Passa", um poema de Manuel Alegra cantado por Adriano Correia de Oliveira.


Trova do Vento que Passa

Para António Portugal

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio - é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi meu poema na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(Portugal à flor das águas)
vi minha trova florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre, in 'Praça da Canção'