O mundo mudou e enquanto não existir uma vacina da covid-19
não voltaremos a ver as imagens que todos os dias um ilustre professor e
comerciante local colocava nas redes sociais, celebrando as vagas de visitantes
que enchiam as nossas (e as suas) lojas. O mundo mudou naquele dia em que em
vez de fotos de magotes de gente foi colocada uma imagem de protesto com o
Campino cheio de gente depois do fecho da fronteira.
Vamos viver com medo, sem confinamento mas com receio do
vizinho, do espanhol, do turista, mesmo que nos habituemos à nova realidade
viveremos em permanente sobressalto, com receio de que ao primeiro sinal de
tosse se desencadeie um novo surto epidémico. Quando chegar o outono cada gripe
ou mera constipação libertará o fantasma. Se ouvirmos o vizinho tossir em casa
quase que promoveremos uma reunião do condomínio com receio do contágio, seja
lá do que for.
Vai levar tempo para que a praia de Monte Gordo volte a ter
os veraneantes que teve no ano passado, para que o Luís Gomez tenha gente a
ouvi-lo no Sem Espinhas Natura, para que as esplanadas da Praça Marquês de
Pombal voltem a estar cheias de gente. Os hotéis venderão quartos em saldo, os
restaurantes terão muito menos mesas, os turistas trarão a comida para evitar idas
ao supermercado ou entrar em restaurantes.
Será perigoso estar na praia, se um vírus pode ser projetado
a dois metros com a tosse ou a cinco por
um espirro, à beira-mar as gotículas que são projetadas por uma mãe que grita
para um filho que está na água serão levadas com o vento e as distâncias a que
podem contagiar serão maiores. Ninguém terá de ficar incomodado porque o
vizinho da palhota ou do toldo ao lado lhe fica com a sombra, se alguém tossir
todos tentarão perceber quem foi e de que lado está o vento.
Muito menos gente, ausência dos turistas mais idosos que
normalmente são os que consomem mais caro, falta dos espanhóis, turistas mais
pobres em consequência das perdas de rendimentos, vão ser assim os que nos
visitarão as duas próximas temporadas balneares. Muito menos turistas, muito
menos dinheiro para gastar, muitos menos visitantes espanhóis, muito medo de
entrar no supermercado, no restaurante ou na loja. Menos casas alugadas, menos
palhotas alugadas, menos refeições servidas, menos compras.
Esta combinação de menos gente, menos dinheiro e diferentes
hábitos de consumo serão uma tragédia para um setor que se especializou mais na
quantidade do que na qualidade. Os apoios de praia sobreviverão sem uma grande
densidade de palhotas e tordos, os restaurantes serão viáveis com um terço das
mesas e sem grande procura, as lojas e os hotéis serão viáveis sem visitantes
estrangeiros?
Mesmo que sobrevivam é disso que falamos, de sobrevivência, os
restaurantes terão menos refeições e disputarão os poucos clientes com preços
mais baixos, os hotéis vendem-se em saldo, as lojas estarão mais vazias, muitos
alojamentos locais ficarão por alugar. Tudo isto significa menos empregos e
salários mais baixos, muitas empresas falidas, muitas famílias com menos
rendimentos ou mesmo sem rendimentos.
Vem aí aquilo a que aqui já alertámos, um longo inverno com
consequências que podem ser trágicas para a economia local e para muitas
famílias, que sem apoios estatais terão muitas dificuldades. E esperemos que
não ocorra nenhum surto epidémico local ou que ocorra uma segunda vaga, face à
qual o país dificilmente terá os mesmos recursos com que enfrentou esta
primeira vaga. Não é por acaso que o diretor-geral da OMS avisa que o pior está
para vir.
É urgente adotar medidas e evitar a todo o custo mais casos locais
de covid-19 e interiorizar a necessidade de mudar de hábitos para evitar um surto
epidémico local em pleno verão ou uma segunda vaga à escala nacional. Porque se
a situação já é muito má, há um grande risco de vir a ser muito pior.