RELATÓRIO DO FAM



Há muitos anos atrás a Dra. Manuela Silva, uma das melhores economistas de então, disse sobre um orçamento do governo do então primeiro-ministro Mota Pinto que se este fosse seu aluno de política económica chumbava-o. Seria mais ou menos o que poderia suceder a um estudante de auditoria se apresentasse este relatório a um professor exigente. É um relatório conduzido pelo relatório da entidade auditada em direção a uma conclusão que desde a primeira linha se percebe qual vai ser.

Quem ler o relatório percebe que em VRSA ninguém conhece a situação real das finanças da autarquia e parece que o FAM acha isto normal e considera-o um fator em favor dos seus responsáveis. Pior ainda desconhece a situação real, mas propões uma revisão do PAM falando de circunstâncias que não refere no que consistem.

Quem há poucos dias percebe qual a diferença entre uma IGF e um organismo cujos responsáveis saíram de gabinetes do governo do PSD, o mesmo partido da presidente da autarquia e de Morais Sarmento, um homem cujo escritório e advocacia que ganhou muitas centenas de milhares de euros em VRSA. Curiosamente, enquanto o relatório de 2017 foi assinado por todos os membros da comissão executiva, este foi assinado apenas pelos que saíram de gabinetes do governo de Passos Coelho.

O relatório do FAM mais do que analisar a situação financeira do Município, algo que resulta do trabalho realizado pelos executivos camarários de Luís Gomes e São Cabrita, é orientado para a análise do desempenho da atual presidente, como se ela não tivesse nada que ver com o passo e na sua tomasse de posse tivesse assumido que não se responsabilizaria por qualquer fato financeiro anterior a essa posse.

É como se uma administração tomasse posse e não se preocupasse em evitar a falência da empresa e apenas assumisse responsabilidades pelos lucros de exploração verificados no seu mandato. Foi este o brilhante argumento invocado pela autarquia no seu relatório do 3.º trimestre e acolhido sem quaisquer interrogações por parte do FAM. Daqui resulta que o relatório não analisa a gestão da presidente da autarquia no seu todo, mas como se a presidente só tivesse de se preocupar com o seu mandato, ignorando a situação real do concelho.

Isto é, o relatório analisa uma situação virtual. Mas vejamos como o justifica:

“tendo o Município referido no relatório de monitorização do 3.º trimestre de 2018 que a execução orçamental (na despesa) estaria fortemente influenciada pelo pagamento de dívida não reconhecida pelo Município de anos anteriores, proceder-se-á outra análise numa perspetiva de “base de acréscimo”, expurgando todos os pagamentos referentes a encargos de anos anteriores não assumidos pelo Município, verificando-se aqui qual a execução acumulada até ao referido período, face ao valor previsto no PAM até ao 3.º trimestre de 2018, sendo possível apurar o grau de execução por agregados económicos.” [Pg 11]

Isto é, a presidente, certamente bem aconselhada, sugeriu ao FAM que ignorasse a realidade, como se ela nada soubesse da situação real e elaborasse todo um relatório na perspetiva "à base do acréscimo", conceito que está entre parêntesis, sem se explicar se é um conceito do relatório do Município ou um conceito técnico. A partir daqui tdo o relatório e respetivas conclusões são extraídas segundo a lógica de que um presidente da autarquia não se deve importar se o petroleiro vai ou não bater no cais, se não acelerar ou reduzir ligeiramente a velocidade o naufrágio deixa de ser sua preocupação, bem como das autoridades portuárias aqui representadas pelo FAM. Lindo raciocínio.


A este propósito vale a pena ler um artigo da autoria de Ana Cristina Silva, purblicado no Jornal de Negócios:

«O regime do acréscimo ou da periodização económica é um termo usado na área contabilística e significa que na elaboração das demonstrações financeiras de uma empresa devem ser considerados os efeitos das operações quando estas ocorram e não apenas quando se dá o correspondente pagamento ou recebimento.

Por exemplo, se uma dada empresa adquire bens para posterior venda, deve reconhecer a compra na data em que adquire a propriedade dos bens (ou quando fica detentora de todos os riscos e vantagens associadas à sua posse) e não na data em que se dá o pagamento da aquisição.» [Jornal de Negócios]

Este é um critério que há quem defenda dever ser aplicado à contabilidade pública:

«A fim de satisfazerem os seus objetivos, as Demonstrações Financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo. Através deste regime, o efeito das transações e de outros acontecimentos são registados no período a que se referem independentemente do seu pagamento ou recebimento. As Demonstrações Financeiras preparadas de acordo com o regime do acréscimo informam os utentes, por um lado, das transações passadas envolvendo o pagamento e o recebimento de caixa, por outro, as obrigações de pagamento no futuro e de recursos que representem caixa a ser recebida em períodos seguintes.» [Contabilidade nas entidades do setor público – Transparência, Accountability e controlo financeiro ] 

Só que o que está em causa não são demonstrações financeiras e presidente da autarquia assume a responsabilidade de gerir bem as contas da autarquia e isso implica gerir com base na situação real e não apenas com base nos resultados financeiros dos seus atos de gestão. A autarca é uma presidente de uma autarquia, não é uma mera tesoureira.

Mas admitamos que esse é um critério válido, nesse caso sria um critério adotado pelo FAM em todas as autarquias onde está presente. Todos os relatórios do FAM, relativos a todas as autarquias sujeitas à sua intervenção obedecem a uma mesma apresentação e metodologia. De relatório para relatório quase nada muda para além dos números e, em consequência disso, as conclusões.

Mas há um único relatório em que tudo é analisado sob esta "perspetiva dos acréscimos", é o relatório relativo à CM de VRSA e apenas em relação a 2018. Porque motivo o FAM adotou este critério apenas para VRSA e em relação a um dos anos em análise?

Com base nesta mudança repentina nos métodos de análise o FAM descobriu um verdadeiro milagre em VRSA, o Município estará praticamente insolvente, mas a sua gestão financeira foi “brilhante”!

“Relativamente à despesa total, a execução até ao 3.º trimestre revela um desvio negativo (acréscimo de despesa) de cerca de 9,1% (€ 1,4M), face à previsão do PAM ajustado. Na perspetiva de “base de acréscimo”, o desvio verificado é positivo (decréscimo de despesa) em cerca de 18,1% ()€ 2,8M).” [Pg 20]

Mas vejamos o que escrevem sobre a importância dos saldos:

“Na perspetiva do FAM, os municípios aderentes aos PAM devem gerar excedentes orçamentais, tendo em vista a redução gradual do rácio da dívida total para que esta se venha a situar abaixo do limite legalmente previsto. Este indicador, no atual enquadramento, é considerado como crítico, em termos de análise da sustentabilidade das finanças autárquicas, sendo que esta só se poderá avaliar numa perspetiva dinâmica e não meramente estática”.

Mas esta é a perspetiva do FAM, uma perspetiva que em VRSA mudou e passou a ser a perspetiva dos acréscimo". e segundo esta nova abordagem exclusiva de VRSA temos mais um milagre:

“No que se refere aos saldos, de acordo com informação prestada no Relatório de Execução do Programa de Ajustamento Municipal (3.º trimestre de 2018), os desvios verificados na despesa deveram-se, na sua grande parte, a pagamentos de dívida de exercícios anteriores, pelo que foi efetuada uma análise aos respetivos saldos adaptada a uma “especialização em base de acréscimo”.”
“Os saldos, ajustados aos pagamentos do ano, apresentam no seu conjunto (saldo total) um valor positivo, no montante de € 4.084.972, correspondendo a uma variação de € 2.553.043, acima do previsto no PAM ajustado.

O saldo global efetivo apresenta um desvio positivo, face ao PAM ajustado, de € 1.136.460. O saldo corrente apresenta um valor positivo, em cerca de € 6.619.987, correspondendo a uma variação positiva de € 4.138.97, face ao previsto no PAM ajustado.”

Isto é, esqueçam a situação real, essa não é a nossa praia. o que conta não é a opinião do FAM sobre os saldos que defende que "os municípios aderentes aos PAM devem gerar excedentes orçamentais, tendo em vista a redução gradual do rácio da dívida total", o que importa não são os rácios reais que permitem a redução do endividamento. Afinal, o importante são os rácios resultantes dos acréscimos, isto é passamos a ter rácios de acréscimos! Não importa se o petroleiro bata no cais, se em vez de se espetar a 20 nós bater a 19 já temos de considerar que o comandante fez uma excelente navegação?

Ora, se os saldos são importantes porque é com saldos que se libertam recursos para reduzir o endividamento, estão teremos de estar falando de saldos reais. Mas parece que na hora de os analisar o FAM prefere os tais saldos imaginários. Estes responsáveis do FAM têm muito jeito para contarem anedotas e fazer-nos rir.

Mas vejamos como está a brilhante situação financeira, que na hora da avalização parece ser ignorada:

“Os encargos com a dívida apresentam, um rácio de cerca de 13,1%, sendo espectável que o montante seja superior no próximo trimestre com o pagamento da primeira amortização do Empréstimo de Assistência Financeira.
No entanto, haverá que ter em consideração o seguinte:
• A dívida registada no período é superior à prevista no PAM;
• O Município encontra-se em incumprimento com o pagamento das prestações do PAEL;
• Na informação para efeitos de Orçamento Municipal para 2009, o Município identificou um conjunto de compromissos assumidos e não pagos de exercícios anteriores, no montante de € 9.384.821.”

Vejamos agora com que argumentos se propõe uma revisão do FAM:

“No entanto, tendo-se verificado alterações das circunstâncias relativas a matérias não previstas em 2016 na elaboração do PAM, mas com impacto nos pressupostos de sustentabilidade da dívida definidos no Relatório de Avaliação de Pró+posta do PAM e na avaliação do endividamento do Município, considera-se que o PAM se encontra desajustado à realidade atual do Município, pelo que se determina a sua revisão nos termos do art. 33.º da Lei n.º 53/2014, de 25 de agosto, na sua atual redação, devendo o Município de Vila Reald e Santo António apresentar uma proposta de revisão do PAM no prazo máximo de 60 dias a contar da data da notificação.”

Como se pode aceitar que existam “alterações das circunstâncias relativas a matérias não previstas em 2016 na elaboração do PAM” e as mesmas não sejam referidas no relatório? Quais circunstâncias?

Só mais uma pergunta ao FAM: o que entende por executivo camarário?

A pergunta faz sentido depois de lermos o papel do “gestor do FAM, como era referido no relatório anterior:

 “O Gestor do PAM será o principal elo de ligação entre o FAM e os serviços do Município, cabendo-lhe zelar para que sejam desenvolvidas internamente as iniciativas necessárias ao cumprimento integral e atempado das medidas e dos objetivos elencados no PAM. Caberá igualmente ao Gestor do PAM fazer o reporte da execução do PAM, através de pontos de situação mensais, assinados por si e homologados pela Presidente de Câmara, de reporte semanal dos compromissos assumidos e de Relatórios de Monitorização trimestral aprovados pelo Executivo camarário.”

Acontece que até esta data tudo é secreto quer para o Executivo Camarário, quer para a Assembleia Municipal, entendendo-se executivo camarário como sendo as sessões de câmara.

Todos os relatórios trimestrais foram secretos e só serão do conhecimento da presidente, da interlocutora do FAM e do contabilista de Borba. O FAM exigiu que fosse aprovados pelo Executivo Camarário mas sabe muito bem que tal não aconteceu. Mas o ridículo está no fato de o FAM considerar que a nomeação do interlocutor do FAM foi cumprida, ignorando o que definiu como competências do interlocutor.

Temos algumas perguntas a fazer ao FAM:
  • Porque motivo só a situação financeira de Vila Real de Santo António é analisada ma “perspetiva dos acréscimos”?
  • O FAM questionou as razões porque existiam tantas dívidas não reconhecidas? Essas dívidas eram desconhecidas por parte do FAM? Eram dívidas imprevisíveis? Porque motivo não foram constituídas quaisquer provisões?
  • O FAM sabe quantas dívidas não reconhecidas poderão ainda surgir em consequência de faturas não aceites e que acabam por ser reconhecidas ou em consequência de decisões judiciais em relação a dívidas contenciosas?
  • Com base em que realidade financeira o FAM vai rever o PAM, com base na situação real da autarquia, que parece desconhecer, ou com base nos relatórios que lhe são enviados, como parece ter sucedido com este relatório?
  • Porque  razão o FAM “esconde” o relatório relativo ao 3.º trimestre que contém dados que o relatório do FAM refere mas que não os quantifica, tornando este relatório omisso em relação a dados que refere como muito importantes, que são utilizados para ajeitar todas as conclusões mas que são escondidos de quem decide ler esse mesmo relatório?.
  • Porque motivo o FAM preferiu produzir o relatório com base nos resultados do 3.º, em vez de aguardar pelos dados de todo o anos, como fez no ano anterior?
  • O que é isso da “base do acréscimo”, que lev a a que todo o relatório assente nesta “perspetiva”, como designam ao procedimento “esses senhores do FAM”?
  • Nos anos anteriores não foi paga qualquer dívida “não reconhecida”?
  • Porque motivo em parte alguma deste relatório é indicado o montante de dívida “não reconhecida”?
  • Porque motivo só no seu relatório relativo ao 3.º trimestre a presidente da autarquia refere a existência de “dívida não reconhecida”, significa isso que só no decurso desse trimestre houve pagamentos pela primeira vez desde a assinatura do PAM?
  • Essa dívida foi constituída antes ou depois de assinado o FAM?
  • A dívida foi omitida e o FAM desconhecia a sua existência, pelo que nunca a teve em consideração, nem no PAM nem nos diversos relatórios que elaborou anteriormente?
  • Porque motivo os montantes da dívida litigiosa bem como o montante dos pagamentos daquilo a que se designa eufemisticamente como “dívida não reconhecida” não constam do relatório?
  • O FAM considera que a dívida litigiosa e os pagamentos de “dívida não reconhecida” não devem ser considerados na avaliação da situação financeira do Município?