ADMINISTRAÇÃO DANOSA?



CÓDIGO PENAL
LIVRO II - Parte especial
TÍTULO II - Dos crimes contra o património
CAPÍTULO V - Dos crimes contra o sector público ou
cooperativo agravados pela qualidade do agente
Artigo 235.º - Administração danosa

1 - Quem, infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional, provocar dano patrimonial importante em unidade económica do sector público ou cooperativo é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias. 
2 - A punição não tem lugar se o dano se verificar contra a expectativa fundada do agente.

Em relação ao que tem vindo a suceder com a marginal/jardim de Monte Gordo pode questionar-se se pelas decisões tomadas e pelos prejuízos daí resultantes estamos perante indícios de que as decisões desastrosas podem apontar para indícios de que tenha sido cometido o crime de administração danosa.

Antes de mais, importa avaliar a dimensão dos danos provocados:

Segundo o administrador delegado da SGU, gastaram-se 500 mil euros na destruição do jardim de Monte Gordo e na construção dos quiosques em alvenaria. Sabe-se agora que aquelas edificações serão demolidas e que o jardim deverá ser recuperado. Assim, ao prejuízo de 500 mil euros deverão ser adicionados os custos da demolição e da recuperação do jardim estimados em 300.000€ para apurarmos a dimensão financeira do que ali foi feito.

Para avaliarmos o impacto financeiro total teremos ainda de ter  em conta a diferença de valor entre o jardim que foi destruído e o que resultará da empreitada que irá ser lançada. Fica por apurar o impacto que a presença dos estaleiros provocaram na economia local. Tudo junto estaremos certamente perante um prejuízo global não inferior a um milhão de euros!

Apurada a dimensão dos danos - 1.000.000€ - importa ver se as decisões de gestão da autarquia neste dossier terão infringido  "intencionalmente normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional".

Graças a declarações do administrador delegado da SGU sabe-se que em Monte Gordo foram gastos 500 mil euros e que de acordo com o referido administrador haveria um "litígio" em relação às construções ali edificadas. A primeira vez que a presidente da autarquia foi questionada sobe este problema informou que iria falar com o Presidente da APA, sugerindo que haviam dúvidas, não dizendo mais sobre o mesmo. Essas dúvidas ficaram desvanecidas com as declarações da presidente da autarquia feitas em recente reunião do executivo camarário. Anunciou que tinha acabado de assinar uma consulta com vista à adjudicação de uma empreitada de demolição dos edifícios em alvenaria construídos no ano passado.

Desconhece-se a razão porque a autarca vai demolir construções que terão custado 500 mil euros, se porque recebeu uma ordem de demolição por parte de alguma entidade com poder para isso, designadamente a APA, ou se mudou de ideias e decidiu fazer algo diferente do projetado inicialmente. Se construiu o que não podia construir ou onde não estava autorizada a construir pode ter infringido "intencionalmente normas de controlo", se mudou de ideias e decidiu fazer algo diferente estaremos face à violação de "regras económicas de uma gestão racional". Em qualquer caso pode-se questionar se não se verifica o pressuposto do crime de administração danosa.

Infelizmente, os vila-realenses estão impedidos de saber o porquê das demolições, mesmo questionada por um vereador da oposição sobre o que se passou a autarca recusou-se a responder, dizendo que o pedido deveria ser apresentado por escrito e responderia na reunião seguinte, estava mentindo, chegada a reunião seguinte nada esclareceu. Aquilo que parece ser uma tentativa de esconder dos munícipes a razão da demolição dos quiosques avolumam o receio de que estejamos perante um comportamento grave por poder indiciar a prática do crime de administração danosa.

Ainda recentemente a autarquia viu uma venda de terreno do lado poente da marginal ser inviabilizada pelo Estado, os terrenos em questão não são da autarquia nem neles podem ser feitas construções como as que a autarca mandou erigir. Aliás, ainda recentemente a autarquia demoliu balneários precisamente com o argumento de que ali não podiam existir construções em alvenaria.  Se a autarca em circunstancia alguma pode invocar desconhecimento da lei ou ignorância quanto ao estatuto jurídico dos terrenos da marginal de Monte Gordo, neste caso sabia muito bem o que tinha sido decidido em relação aos referidos terrenos, no caso da tentativa de venda de uma parcela para ali se construir um hotel da cadeia Meliá.

Esperemos que a autarca preste todos os esclarecimentos, explicando aos vila-realenses porque motivo a obra parou e meses depois as construções dos quiosques feitas em alvenaria vão ser destruídas ainda antes de concluídas e depois de terem sido gastos 500 mil euros. É bom que o faça pois parece existirem indícios fortes que apontam para uma situação danosa, com graves prejuízos para o erário público. A ter havido crime de administração danosa os seus responsáveis poderão ter de responder em tribunal e para além das consequências penais deverão ter que indemnizar o Município pelos prejuízos resultantes dessa ação, prejuízos que se cifram num montante que poderá chegar a cerca de um milhão de euros.

Todavia, a autarca sabia que os terrenos não pertenciam ou não estavam sob jurisdição da Câmara e que, portanto, se colocou a construir em terrenos onde não podia construir. Sabia também que naquele local não se pode construir em alvenaria. Conhecedora desses factos, sabia também que não podia construir o que construiu e do modo que construiu, porque estava a violar regras de propriedade, regras de urbanização e regras de preservação ambiental e arquitetónica. Conhecedora disso, sabia que era ilegal o que ia fazer, e mesmo assim fez. Infringir intencionalmente a lei corresponde à atitude de quem tem disso conhecimento e, mesmo assim, conscientemente age, violando a lei. Por essa razão, aparentemente, estão reunidos os pressupostos do crime de administração danosa, até porque o dano patrimonial está consumado.

Uma última questão que se coloca é a de saber se no caso de ter ocorrido um crime de gestão danosa quem pode apresentar queixa. Vejamos o esclarecimento dado pela  Procuradoria-Geral do Porto sobre esta questão:

"Quando o preceito que prevê o tipo de crime nada refere, o crime em apreço é público; quando se indica que o procedimento criminal “depende de queixa” estamos perante um crime semi-público; quando a lei refere que o procedimento criminal depende de “acusação particular” [além da queixa], o crime é particular."

No caso do crime de gestão danosa previsto no artigo 235.º do Código Penal nada se refere quanto à natureza do crime este é considerado público, isto é, qualquer cidadão pode apresentar queixa no Ministério Público e este deve dar início a um inquérito se de alguma forma tomar conhecimento do mesmo. Note-se ainda, que em princípio qualquer cidadão de Vila Real de Santo António pode  sentir-se lesado no caso de ter sido cometido este crime, podendo pedir que seja constituído como assistente no processo.

Qualquer cidadão ou entidade ou mesmo o MP por sua própria iniciativa pode desencadear a abertura de um inquérito e qualquer vila-realense pode solicitar ser constituído assistente no processo. Se, por absurdo, nada suceder entretanto, um próximo executivo camarário pode e deve denunciar os indícios de um crime desta gravidade e constituir-se assistente no processo, já que a haver crime este está muito longe de prescrever. Aliás, até mesmo um vereador do atual executivo ou mesmo um deputado municipal pode solicitar que a questão seja colocada à consideração do MP, ao que certamente ninguém se quererá opor.