ACABAR COM O ESTADO A QUE CHEGÁMOS



O Estado tem regras e é por isso que se costuma dizer que vivemos num Estado de Direito, seja no gabinete do ministro, numa direção-geral, num município ou numa autarquia tudo obedece às mesmas regras. Por exemplo, se um cidadão fizer uma reclamação por e-mail essa reclamação deve ter uma entrada, deve ser guardada em arquivo durante os prazos estabelecidos na lei e deve merecer uma avaliação e um despacho.

Por mais chata, útil ou desnecessária todas as reclamações devem ser tratadas e por mais indesejáveis que sejam não podem, por exemplo, ser consideradas correio não desejado e enviadas para a caixa de SPAM. Aliás, se uma organização tem um software que envia automaticamente para SPAM algumas mensagens que aparentam sê-lo, como sucede com o Gmail, os serviços administrativos deverão ir verificar na caixa de SPAM se alguma mensagem foi considerada indevidamente como tal.

É óbvio que qualquer cidadão, do mais letrado ao mais brutamontes, tem o direito de ser eleito. Mas não tem o direito de impor as suas próprias regras ou reduzir as práticas administrativas em função da sua prepotência, ignorância ou pobreza intelectual. É para isso que os eleitos passam e os serviços administrativos e jurídicos das instituições ficam. 

É grave que se façam despesas e depois não haja forma de saber como foi gasto o dinheiro, que entrem reclamações que são destruídas recorrendo ao truque de as considerar SPAM, que se decida violar a privacidade de um cidadão com um argumento de que terá caído algo microscópio vindo de um primeiro andar.

O Estado tem regras, tudo deve ser feito respeitando o princípio da legalidade e isso obriga a não ignorar o estabelecido no direito administrativo ou em muitas leis como a das contratações públicas e muitas outras. Essas regras são fundamentais porque os cidadãos têm deveres e direitos, cabendo às instituições do Estado velar pelos seus direitos e assegurar que cada um cumpre com os seus deveres. Sem isso princípios básicos como o da legalidade ou da igualdade deixam de ser desrespeitados.

Quando naquela madrugada de abril de 1974 o capitão Salgueiro Maia explicou aos seus soldados ao que iam disse-lhes:

"Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados sociais, os corporativos e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos!"

Às vezes é preciso mudar o Estado a que chegámos, naqueles tempos com recurso a uma ação militar, nos dias de hoje recorrendo às instituições da democracia, às armas da opinião, da denúncia e do debate, mesmo quando aqueles que deviam dar a voz à opinião livre se transformam em personagens sabujas.